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Posts Tagged ‘Portugal’

Em conversa com um colega meu sobre o trabalho em Portugal acabei por relembrar-me de todas as experiências de trabalho e de quase-trabalho que vivi. Revezámo-nos a contar as nossas histórias, pessoais e de conhecidos, cada uma mais escabrosa do que a outra.

A minha primeira experiência de quase-trabalho em Portugal, quando ainda estava a terminar a licenciatura, foi numa empresa de telemarketing. Empresa é um termo lisonjeiro, eu chamaria àquilo um conjunto de salas num prédio manhoso com uns telefones e uns papéis com nomes e números de telefone listados.

Enviei o currículo porque, já na altura, conseguir resposta de uma empresa era algo raro. Eu queria um part-time para conjugar com a faculdade, e achava que conseguiria aguentar 4 horas por dia num sítio daqueles.

Fui à entrevista e fui selecionado. Tão simplesmente isto. O ordenado? Cerca de 300€ por mês e comissões das vendas. No dia seguinte deveria ir novamente ao escritório para ter “formação”. A “formação” era tão só uma mulher ditar-me um texto que eu deveria repetir a cada um dos “potenciais clientes” e deixar-me sozinho a ler uns panfletos publicitários de uma empresa de telecomunicações, durante uns minutos.

De seguida, uma curta apresentação aos atarefados colegas de telemarketing e ao meu lugar, ali disponível. Devia sentar-me e começar de imediato a ligar. Olhei à minha volta. Vi aquele sítio cinzento, aquela gente stressada, aquela monotonia da repetição pior que um tic tac de relógio. Passado 15 minutos de reflexão, sem fazer uma única chamada, saí. Disse que aquilo não era para mim, que era insuportável, e saí.

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De volta

Não sei qual terá sido a principal razão que me fez deixar de escrever neste blog durante anos, por isso vou eleger “a crise”.

“A crise” fez-me deixar de acreditar em Portugal há mais de dois anos. Se não acreditava no meu próprio país certamente que também não acreditava no meu futuro enquanto seu residente, cidadão, trabalhador, jovem.

Então saí. Às vezes digo orgulhosamente que fui dos primeiros da minha geração a abandonar o barco, sabendo que “a crise” era para durar. Não sei se é verdade ou não mas gosto de pensar que consegui ver mais longe do que muitos outros.

Saí desistindo de ser sociólogo. Saí desistindo do meu país.

Encontrei algo que nunca tinha tido antes. Independência, respeito no meu emprego, liberdade, novos desafios, felicidade.

Por isso arrumei a sociologia, nunca deixando de olhar o mundo com um olhar sociológico.

Agora volto com o intuito de voltar a escrever e, por ventura, reestruturar o Sociologando.

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Tenho reparado em alguns “confrontos” entre portugueses e brasileiros na Internet. Basta fazer umas pesquisas pelo youtube e ver os comentários e diálogos que se geram entre pessoas das duas nacionalidades. Também temos um bom exemplo se acedermos a alguns fóruns, blogues, ou chats. No fundo, qualquer plataforma que permita a troca de palavras entre portugueses e brasileiros é um bom local para encontrar racismo, ódio, e preconceito.

Os estereótipos são as principais armas de arremesso. Os portugueses são burros e velhos. Um povo racista e pouco humilde. As portuguesas são feias, gordas, têm bigode, e corrimento vaginal (esta pérola anda por aí). Os brasileiros são burros e atrasados. Um povo miserável que só liga ao samba e ao Carnaval. As brasileiras são prostitutas.

Os povos irmãos odeiam-se. Como dois bons irmãos, pois claro.

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283168.jpgEm Portugal, como no mundo, a pobreza não é um fenómeno aleatório. Ela não atinge “qualquer um” de forma indistinta. Existem sempre categorias sociais mais vulneráveis à pobreza, pelo que é em pessoas que partilham as condições para pertencerem a uma determinada categoria que se regista a ocorrência de pobreza em maior número.

Essas categorias constroem-se através de factores tais como o género, a idade, a escolaridade, a situação perante o mercado de trabalho, e até a estrutura familiar a que uma pessoa pertence.

No factor «situação perante o mercado de trabalho» salientam-se imediatamente os reformados e “outros economicamente inactivos” como categorias particularmente vulneráveis. Uma das principais razões para a pobreza nestas categorias sociais é o baixo nível das prestações sociais que as pessoas auferem. É certo que nem todos os beneficiários das prestações sociais são necessariamente pobres, já que podem estar inseridos em agregados familiares com rendimentos acima do limiar da pobreza, mas o risco de pobreza intensa não deixa de ser elevado. As prestações sociais não cobrem a totalidade do valor do limiar da pobreza. Em 2001, o valor do limiar da pobreza era de 3590 euros por ano [1], enquanto que a «pensão social» e a «pensão mínima do regime geral» atingiam valores de 1933 e 2514 euros por ano, respectivamente. Face a estes números, não surpreende que 25% dos reformados, e 28% dos “outros economicamente inactivos”, estejam em risco de pobreza.

Também não nos surpreendemos com o facto de que nesse mesmo ano de 2001, cerca de 38% dos desempregados estavam em risco de pobreza.

Estas são as categorias mais vulneráveis. São os que não têm qualquer papel no mercado de trabalho, e que por isso não obtêm rendimentos.

Todavia, em Portugal, e ao contrário dos países mais desenvolvidos da Europa, ocorre algo surpreendente: trabalhar não assegura a cobertura do risco de pobreza. Cerca de 10% dos trabalhadores por conta de outrem correm risco de pobreza, e cerca de 30% dos trabalhadores por conta própria correm o mesmo risco, embora seja necessário salvaguardar que é nesta categoria ocorre a ocultação de rendimentos com mais frequência. Contudo, é também certo que nela se inserem sectores precários e desfavorecidos da actividade económica, tais como alguns sectores da construção civil, comércio e outros serviços (pessoais, domésticos, etc). Isto leva-nos a pensar nos «novos pobres», nos pobres que trabalham mas que mesmo assim não deixam de ser pobres. Este é um fenómeno novo que atinge cada vez mais famílias.

Quando olhamos para o factor «escolaridade» podemos notar que ele é um elemento de influência considerável no risco de pobreza. A incidência situa-se nos 22% entre as pessoas com escolaridade inferior ao 9º ano, sendo de 8% naqueles que possuem o 12º ano e apenas de 2% nos que alcançaram um nível de qualificação superior ao 12º ano de escolaridade.

Também os factores «idade» e «género» interferem na exposição ao risco de pobreza. As mulheres são tendencialmente mais pobres que os homens, e foi apenas em 2001 que os valores da respectiva taxa entre homens e mulheres se aproximaram. Por seu turno, os idosos representam o grupo etário de maior vulnerabilidade, embora o risco de pobreza tenha conhecido um decréscimo nos últimos anos, passando de 38% em 1995 para 30% em 2001. Contudo, na UE15 os valores médios não vão além dos 19%. No sentido inverso tem evoluído a situação das crianças com um aumento ligeiro de risco de pobreza entre 1995 e 2001, mantendo-se neste ano em 27%.

Na análise das «estruturas familiares» sobressaem as famílias monoparentais como o tipo de agregado mais vulnerável à pobreza. Em 2001, o risco de pobreza para esta categoria era de 39%. Igualmente vulneráveis à pobreza estão os isolados, principalmente os idosos e mulheres.

Quem são os pobres em Portugal? Não é fácil traçar perfis da pobreza. Mas podemos compreendê-la melhor se olharmos para os factores que a ela se ligam. Estar fora do mercado de trabalho, ter poucos recursos escolares, viver em famílias desestruturadas, ser velho e não ter apoios, são algumas das situações sociais que levam mais frequentemente à pobreza. É também com estas descrições que podemos conectar facilmente a pobreza à exclusão: estar out em vários domínios do social é condição sine qua non para se ser pobre.

[1] O valor do limiar da pobreza é diferente do referido num outro texto devido à sua diferente ponderação.

Referência bibliográfica

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513977252_73d622c18f_o.jpg Portugal é um país onde a pobreza prolifera de forma bastante marcada. Quando comparado com os seus congéneres europeus, principalmente com os mais antigos da UE15, o nosso país faz fraca figura, e salienta-se como um dos países onde a vulnerabilidade à pobreza é maior, quer em extensão, quer em intensidade. Na génese deste atraso estrutural estão processos históricos de subdesenvolvimento dos quais podemos referir, como pequenos e breves exemplos, a tardia e difusa industrialização, sendo que Portugal nos anos 60 era um país dominado pela actividade agrícola pouco modernizada, e um paupérrimo índice de escolarização, estando este último associado a uma “riquíssima” taxa de analfabetismo de 30%, nos anos 60. O país passou por um forte desenvolvimento e crescimento económico nas últimas décadas, que lhe permitiu ganhar um novo fôlego. Ainda assim, Portugal é um país pobre no contexto europeu, e apresenta níveis elevados de pobreza no seu interior. A europeização plena da sociedade portuguesa está longe de ser concretizada.

Interessa, assim, referir alguns indicadores importantes na medição da pobreza.

1) Portugal é o país da UE15 com o valor monetário mais baixo do limiar da pobreza oficialmente utilizado no espaço europeu. O valor que estabelece o limiar da pobreza corresponde a 60% do rendimento monetário mediano. Em Portugal, entre 1995 e 2001, esse valor passou de 3.745€/ano para 4.967€/ano, correspondendo isto a um crescimento de 32,6%. Na União Europeia, esse valor passou de 6.305€/ano para 8.253€/ano, correspondendo a um crescimento de 30,9%, em igual período. Portugal continua longe dos padrões europeus aos quais almeja chegar, e está especialmente distante de países como a Bélgica, Dinamarca, Alemanha, Luxemburgo e Áustria. (ver gráfico 1)

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2) O indicador «risco de pobreza após as transferências sociais» demonstra que na UE esse risco desceu, entre 1995 e 2001, de 17% para 15%, enquanto em Portugal ele desce de 23% para 20%, no mesmo período. Nota-se um avanço considerável neste indicador, mas se olharmos para o «risco de pobreza antes das transferências sociais» verificamos que em Portugal o risco de pobreza praticamente não se altera sem as transferências sociais, já que sem elas a pobreza estaria mais ou menos estabilizada nos 27%. (ver gráficos 2 e 3)

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De qualquer modo, o mercado produz a mesma percentagem de pobres em Portugal e na Europa, contudo com mais desigualdade e de forma mais persistente no nosso país, num contexto em que há uma menor correcção introduzida pelas políticas sociais. Na União Europeia, a diferença entre o risco de pobreza antes e após as transferências sociais é, em média, de 9 pontos percentuais. Em Portugal, e nos restantes países do sul, essa diferença situa-se apenas entre os 3 e 4 pontos percentuais. O impacto das transferências sociais é maior em países onde a pobreza é menor, e menor em países onde a pobreza é maior, como é o caso de Portugal.

 

3) Portugal destaca-se novamente, pela pior posição no contexto europeu, quando perspectivamos a «pobreza persistente», um indicador que nos mostra a natureza mais ou menos consolidada da incidência da pobreza. Em Portugal, 15 % das pessoas encontram-se nessa situação, o que representa cerca de 6 pontos percentuais acima da média europeia. Próximos do caso português estão Grécia, Itália, e Irlanda. (ver gráfico 4)

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4) Usando o «índice de Gini», um indicador bastante utilizado para medir as desigualdades (que sublinham a gravidade do problema da pobreza no nosso país), podemos constatar que o valor deste indicador para Portugal era, em 2001, de 37 (numa escala de 0 a 100, sendo 100 o valor a que corresponde a máxima desigualdade). Isto coloca-nos 9 pontos percentuais acima da média da UE15. Mais preocupante ainda é notar que na Europa esse valor tem vindo a decrescer desde 1995, e em Portugal o valor do índice de Gini é o mesmo em 1995 e 2001. (ver gráfico 6)

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Temos assim alguns indicadores que nos permitem começar a perceber a dimensão da pobreza em Portugal. Mais textos sobre o tema se seguirão.

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