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Archive for the ‘Sociologia da Religião’ Category

A génese da modernidade ocidental situa-se nas transformações sociais ocorridas no século XVIII. Os marcos históricos da modernidade – o Iluminismo, a Rev. Industrial, a Rev. Francesa – são essenciais para percebermos uma Nova Era que nascia sob o auspício da racionalidade e da reflexividade.

Com o advento da modernidade surgiu a crença no declínio da religião. Este vaticínio ocorreu não só nos diversos campos das sociedades ocidentais, mas também, e em particular, no campo académico, e veio enformar o próprio conhecimento sociológico emergente. De facto, no século XVIII, muitas leituras da realidade implicavam uma oposição entre a modernidade (e a multiplicidade de questões que ela constitui) e a religião.

A modernidade toma o indivíduo como o seu “actor principal”. O ser humano racional substitui, em grande medida, a centralidade precedente do “cosmos sagrado”, que era gerido por instituições religiosas responsáveis, ao longo de vários séculos, pela coesão social e cultural. A ideia de que a religião deixa de ser a única instituição a cuidar da coesão social, assim como a noção de que ela perde o monopólio da produção de sentido, torna-se comum. A realidade já não se ordena sob o dossel sagrado da religião. A religião autonomiza-se num campo social específico, e parece perder o seu ascendente sobre os diferentes níveis societais do mundo moderno, ainda que mantendo importantes níveis de influência e de intercepção com os diversos campos sociais.

Neste sentido, o termo «secularização» surge na teoria sociológica como conceito, teoria, ou paradigma (este é outro debate) a partir dos anos 60. É certo que com a modernidade surgiram as teses do declínio ou extinção da religião, mas o processo da secularização só se operacionalizou na teoria sociológica durante o decorrer da segunda metade do século XX.

Thomas Luckmann introduziu o conceito de diferenciação ou segmentação institucional. O autor considera que com a modernidade emergiram subsistemas sociais com um grau de autonomia relativo, e que, deste modo, também a religião se autonomizou numa esfera social autónoma. Uma das consequências da segmentação institucional será a privatização da religiosidade.

Os autores da secularização consideram que a modernidade acarreta o enfraquecimento da dimensão institucional da religião, e a sua privatização. Os ligames sociais e culturais de cariz religioso, que foram consistentes durante séculos, desgastam-se, e as instituições religiosas perdem o seu poder. Os indivíduos sentem-se livres para encontrar, de forma autónoma e reflectida, o seu próprio universo de significações diante de um mundo fragmentado (um “mundo de mosaicos”). Assim, a própria multiplicidade de movimentos religiosos na actualidade, e os trajectos individuais de pessoas de diferentes grupos religiosos que se cruzam, são o reflexo desta secularização. A fragmentação religiosa e o seu “mercado aberto”, herético, e sincrético, é um espelho dessa perda de influência da religião, e sinónimo do que se chama de processo de secularização.

Para Peter Berger, a secularização reflecte-se enquanto processo marcado pela emancipação das representações colectivas em relação às referências religiosas. Isto representa uma clara ruptura com a função tradicional da religião, que era precisamente a de estabelecer um conjunto integrado de definições de realidade que pudesse servir como um universo de significado comum aos membros de uma sociedade. A religião deixa de ser um “sacred canopy” (dossel sagrado) para sociedade.

Bryan Wilson desenvolve uma perspectiva evolucionista das mudanças estruturais operadas no campo religioso. Ele segue uma perspectiva inspirada em Weber. Este autor estabelece uma proximidade entre a secularização e a racionalização. As tecnologias levam à racionalização da vida em sociedade, e contribuem para o “desencantamento do mundo”. A diferenciação e a autonomização aparecem-nos como consequências dessa racionalização e constituem os conceitos base da secularização. Para este autor é muito importante a noção da passagem da “comunidade” para a “sociedade”, assim como as mudanças nas relações sociais implicadas nessa mesma passagem.

Deste modo, nas sociedade modernas a religião tem vindo a enfraquecer e a tornar-se mais periférica. Mas também ressurge: diferenciando-se e segmentando-se; moldando-se a novos quadros de valores e modos de viver o religioso; e (sobre)vivendo à intempérie das mudanças sociais mais recentes.

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Roubei ao Kontratempos um artigo da socióloga Helena Vilaça, em que ela reflecte sobre a religião e a política nos EUA. Um artigo esclarecedor. Sem dúvida.

Da religião na América

O modo como a política e a religião se interligam na sociedade americana continua a provocar, na grande maioria dos europeus, um olhar de espanto e crítica. Num momento em que decorrem as primárias que decidirão os candidatos à Casa Branca, temos mais um exemplo da importância da religião no cenário político – a fé dos candidatos, os conteúdos religiosos dos discursos, as igrejas visitadas em campanha, a identidade confessional das bases de apoio.

Ao contrário da Europa, onde cada Estado evoluiu em parceria com as respectivas Igrejas dominantes, os EUA, tendo sido povoados por imigrantes com diferentes culturas e religiões, muitos dos quais vítimas de perseguição religiosa na Europa, nunca poderiam eleger a homogeneidade religiosa como sustentáculo da coesão nacional.

Como bem observou Tocqueville em Da democracia na América, a religiosidade inaugurada nos EUA está ancorada na diversidade religiosa e na autonomia desta relativamente à política. Esta autonomia terá desempenhando um papel determinante na formação da democracia norte-americana. Em oposição às teses que sustentavam uma retracção da religião à medida que proliferavam os ideais de liberdade e de humanismo, na América, a vitalidade religiosa conduziu ao ideal de liberdade e à própria modernidade.

O sociólogo Robert Bellah retoma o tema, em meados do século XX, através da tese da religião civil. Segundo Bellah, a dimensão religiosa está presente na vivência da generalidade dos indivíduos que interpretam a experiência histórica à luz duma realidade transcendente, na qual Deus não surge como monopólio de uma denominação ou mesmo do cristianismo. As grandes famílias religiosas americanas partilham símbolos que funcionam como elementos fundamentais para a unidade e a universalidade da nação, constituindo a religião uma referência norteadora da comunidade política, legitimada pela opinião pública.

Uma pesquisa recente do Pew Research Center for the People & the Press sustenta a actualidade daquela tese: 61 por cento dos americanos não gostaria de ter de apoiar um candidato ateu e quase 70 por cento quer um presidente que tenha fortes convicções religiosas, o que é tanto mais curioso se considerarmos que mais de metade dos que não têm filiação religiosa também pensa assim. Estas atitudes são transversais a Republicanos, Democratas e independentes e o perfil dos principais candidatos enquadra-se dentro dos requisitos.

No campo republicano, à excepção de Giuliani, um católico pouco ortodoxo (não praticante e divorciado) e Thompson, educado na protestante Igreja de Cristo e objecto de notícia por não gostar de falar de religião (curiosamente dois candidatos que já desistiram) todos os outros têm convicções religiosas fortes. McCain nasceu na Igreja Episcopal mas frequenta a Igreja Baptista, Paul originariamente luterano, tornou-se episcopal e hoje é baptista, Huckabee é pastor baptista do sul, um evangélico born-again (renascido) e Romney, apesar de mórmon – 25 por cento dos republicanos preferia que não o fosse –, é apreciado pelo facto de ser muito religioso.

O mesmo se passa na área democrata. Clinton projectou na vida política a sua fé metodista, por exemplo, como membro do grupo de oração do Senado. Edwards, que de baptista passou a metodista, co-presidiu, também no Senado, à National Prayer Breakfast. Obama tornou-se membro activo de uma Igreja que combina a teologia luterana com a experiência religiosa negra, a Trinity United Church of Christ.
Quer a diversidade quer o percurso religioso dos candidatos reflectem bem a vitalidade religiosa da sociedade americana. Mais do que pertencer a esta ou aquela confissão o importante é ser crente. A eleição de Kennedy em 1960 é ilustrativa disso. Por outro lado, a política norte-americana está para lá das dicotomias entre direita e esquerda religiosas ou dos grandes grupos: evangélicos, protestantes históricos, católicos, protestantes negros.

Esta complexidade religiosa e política é analisada por Green e Waldman em The Twelve Tribes of American Politics. Dos grupos identificados, destacaremos aqueles cuja representatividade poderá contar eleitoralmente: Direita religiosa, Guerreiros da cultura patriótica, Evangélicos moderados, Protestantes brancos, Católicos convertíveis (brancos), Esquerda religiosa, Latinos, Protestantes negros, Seculares.

Apesar das fidelidades partidárias supostamente rígidas da maioria dos grupos, há um grau de permeabilidade, por vezes, surpreendente. Basta um exemplo. Os Evangélicos moderados, tal como a Direita Cristã, são born-again Christians e defendem, contrariamente à maioria dos americanos, a intervenção das organizações religiosas na política. Jimmy Carter pertence a este grupo, Bill Clinton conquistou-os, façanha que Obama procura reeditar. Se a religião na América pode ser considerada um dos factores explicativos das escolhas eleitorais, em última análise, o que determina o voto político é o modo como os candidatos demonstram a força das suas convicções e a capacidade de as traduzir em metáforas e símbolos religiosos.

Helena Vilaça

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