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Posts Tagged ‘pobreza’

A recorrência da pobreza na actualidade nacional é louvável, mas não se deve levar a sério. Mais dia, menos dia, fica tudo na mesma.

Um Relatório Sobre a Situação Social na União Europeia (UE) refere que Portugal é o país mais desigual da UE. Bruto da Costa, que divulga o seu estudo “Um Olhar sobre a Pobreza” no Público, alerta-nos para o problema da persistência da pobreza em Portugal, e para a multidimensionalidade do fenómeno. Louvável.

No campo político, Manuela Ferreira Leite (MFL) disse há uns dias que estava preocupada com os “novos pobres”. Só que os “novos pobres” já estão a ficar velhos. Num estudo encomendado pela Comissão das Comunidades Europeias, publicado num relatório em finais de 1989, já se faziam referências aos “novos pobres”, e explanava-se o complexo fenómeno da exclusão social e da pobreza pelas suas várias dimensões. MFL vem um pouco tarde, mas o que é realmente importante é que os conceitos soem a algo fresco.

O problema é sempre o mesmo. O diagnóstico é profundo, e vai bem além dos soundbytes dos políticos. Já a acção fica sempre na linha de partida. Há olhares preocupados e «humanos», e há até um consenso moral, mas não há um consenso prático para levar a Pobreza por um caminho sem retorno em direcção à extinção.

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300px-troisordres.jpgAs desigualdades e as exclusões sociais existiram persistentemente nas sociedades estratificadas até à Revolução Francesa. Só a partir daqui, no século XVIII, e com o trabalho fulcral dos iluministas, é que se abalaram os fundamentos e convicções que naturalizavam as extremas desigualdades e exclusões sociais. A ordem das coisas pautava-se pelo imobilismo social, e pela legitimação das profundas diferenças entre os indivíduos.

Hoje as coisas são diferentes. Um processo histórico de luta política, ideológica e teórica, condensado na tríade paradigmática “liberdade, igualdade, fraternidade”, libertou as sociedades das amarras do Antigo Regime.

Contudo, sabemos que nas sociedades contemporâneas as desigualdades persistem, tendo especial relevo as desigualdades de rendimento, e a exclusão e pobreza também resistem aos avanços da modernidade, sendo todas elas uma espécie de enfermidade crónica do capitalismo.

Deste modo, e como ainda não fiz nenhuma destrinça conceptual entre os termos aqui utilizados, parte-se para uma pequena elucidação acerca deles.

A desigualdade pode ser vista como um fenómeno socioeconómico, e para simplificar a noção podemos entendê-la como a desigual distribuição de recursos económicos entre os indivíduos. Ela está na base da exclusão social, pelo menos a maior parte das vezes. A exclusão é um fenómeno mais abrangente e remete-nos para o estar out da vida social. Este out liga-se a défices de participação dos cidadãos na vida social, e também a défices de satisfação dos seus direitos essenciais de cidadania. É por isso que “ser um excluído” pode significar uma miríade de situações, desde logo o ser pobre e estar afastado do consumo de bens considerados normais, o não ter acesso ao mercado de emprego ou ocupar uma posição precária no seio deste, ter insucesso escolar, estar fora da sociedade de informação, não ter habitação ou ter uma habitação miserável, etc. A lista continua. É certo que podemos estar excluídos em certos domínios da vida social, e mais ou menos dentro noutros. Mas eles correlacionam-se e atraem-se, como numa simbiose. Já a pobreza é uma parte da exclusão. É menos abrangente ao nível teórico, mas mais útil ao nível metodológico. É um indicador de síntese da exclusão, e pode ser definida como uma situação de escassez de recursos, ou, num ponto de vista mais relativista, como uma situação de escassez de recursos mínimos para entrar num modo de vida “normal” numa determinada sociedade.

A questão que fica é «quem são os excluídos nas sociedades contemporâneas, e em particular na portuguesa?» Este tema abrangente continuará a ser abordado nos próximos textos. O puzzle vai-se montando aos poucos.

 

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513977252_73d622c18f_o.jpg Portugal é um país onde a pobreza prolifera de forma bastante marcada. Quando comparado com os seus congéneres europeus, principalmente com os mais antigos da UE15, o nosso país faz fraca figura, e salienta-se como um dos países onde a vulnerabilidade à pobreza é maior, quer em extensão, quer em intensidade. Na génese deste atraso estrutural estão processos históricos de subdesenvolvimento dos quais podemos referir, como pequenos e breves exemplos, a tardia e difusa industrialização, sendo que Portugal nos anos 60 era um país dominado pela actividade agrícola pouco modernizada, e um paupérrimo índice de escolarização, estando este último associado a uma “riquíssima” taxa de analfabetismo de 30%, nos anos 60. O país passou por um forte desenvolvimento e crescimento económico nas últimas décadas, que lhe permitiu ganhar um novo fôlego. Ainda assim, Portugal é um país pobre no contexto europeu, e apresenta níveis elevados de pobreza no seu interior. A europeização plena da sociedade portuguesa está longe de ser concretizada.

Interessa, assim, referir alguns indicadores importantes na medição da pobreza.

1) Portugal é o país da UE15 com o valor monetário mais baixo do limiar da pobreza oficialmente utilizado no espaço europeu. O valor que estabelece o limiar da pobreza corresponde a 60% do rendimento monetário mediano. Em Portugal, entre 1995 e 2001, esse valor passou de 3.745€/ano para 4.967€/ano, correspondendo isto a um crescimento de 32,6%. Na União Europeia, esse valor passou de 6.305€/ano para 8.253€/ano, correspondendo a um crescimento de 30,9%, em igual período. Portugal continua longe dos padrões europeus aos quais almeja chegar, e está especialmente distante de países como a Bélgica, Dinamarca, Alemanha, Luxemburgo e Áustria. (ver gráfico 1)

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2) O indicador «risco de pobreza após as transferências sociais» demonstra que na UE esse risco desceu, entre 1995 e 2001, de 17% para 15%, enquanto em Portugal ele desce de 23% para 20%, no mesmo período. Nota-se um avanço considerável neste indicador, mas se olharmos para o «risco de pobreza antes das transferências sociais» verificamos que em Portugal o risco de pobreza praticamente não se altera sem as transferências sociais, já que sem elas a pobreza estaria mais ou menos estabilizada nos 27%. (ver gráficos 2 e 3)

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De qualquer modo, o mercado produz a mesma percentagem de pobres em Portugal e na Europa, contudo com mais desigualdade e de forma mais persistente no nosso país, num contexto em que há uma menor correcção introduzida pelas políticas sociais. Na União Europeia, a diferença entre o risco de pobreza antes e após as transferências sociais é, em média, de 9 pontos percentuais. Em Portugal, e nos restantes países do sul, essa diferença situa-se apenas entre os 3 e 4 pontos percentuais. O impacto das transferências sociais é maior em países onde a pobreza é menor, e menor em países onde a pobreza é maior, como é o caso de Portugal.

 

3) Portugal destaca-se novamente, pela pior posição no contexto europeu, quando perspectivamos a «pobreza persistente», um indicador que nos mostra a natureza mais ou menos consolidada da incidência da pobreza. Em Portugal, 15 % das pessoas encontram-se nessa situação, o que representa cerca de 6 pontos percentuais acima da média europeia. Próximos do caso português estão Grécia, Itália, e Irlanda. (ver gráfico 4)

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4) Usando o «índice de Gini», um indicador bastante utilizado para medir as desigualdades (que sublinham a gravidade do problema da pobreza no nosso país), podemos constatar que o valor deste indicador para Portugal era, em 2001, de 37 (numa escala de 0 a 100, sendo 100 o valor a que corresponde a máxima desigualdade). Isto coloca-nos 9 pontos percentuais acima da média da UE15. Mais preocupante ainda é notar que na Europa esse valor tem vindo a decrescer desde 1995, e em Portugal o valor do índice de Gini é o mesmo em 1995 e 2001. (ver gráfico 6)

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Temos assim alguns indicadores que nos permitem começar a perceber a dimensão da pobreza em Portugal. Mais textos sobre o tema se seguirão.

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