Pouco tempo depois de rejeitar aquele emprego manhoso consegui um part-time como “escriturário”, ou melhor, como funcionário de apoio ao cliente no “harrods” português (espanhol, na verdade). Quando pensamos nas coisas com a maturidade que o tempo nos dá vemos sempre pormenores que nos escaparam anteriormente. Este deve ter sido dos poucos empregos em que ir a uma entrevista com um blazer e sapatos, muito aprumadinho, fez a diferença. Olharam para mim de forma diferente desde o início. Isso, e ser o meu primeiro emprego oficial também lhes fazia jeito, pois claro.
Exames ao sangue e à urina foram feitos logo a seguir à minha seleção, não fosse eu ser um drogado ou um doente qualquer. Tive de comprar fatos, camisas e sapatos para trabalhar. Nunca me ajudaram com essa despesa.
Não foi um trabalho fácil. Senti pressão muitas vezes, aturei muitos parvalhões, aprendi muito. Nunca me deram asas para aprender muito mais porque o meu destino estava definido. Ao fim de um ano de trabalho não renovaram o contrato. Quando fui acertar contas deram-me o que para mim era um “dinheirão”. Pelas minhas contas até me pagaram mais do que deviam em ordenado, subsídios, etc. Nada mau.
Nessa altura, em que pisava pela última vez o chão daquele sítio, vi o fim de um ciclo e o início de outro. Decorria já a formação de mais um grupo de novos funcionários, quase todos no primeiro emprego, cuja contratação beneficia a empresa durante um ano apenas. Depois troca-se. Eu chamo-lhe uma espécie de leasing de pessoas.
Tal como o nosso primeiro-ministro disse, não podemos ver o desemprego apenas como uma tragédia. Para mim foi de facto uma oportunidade. Cada empurrão que me foram dando para fora de Portugal foi o melhor que me podiam ter feito. Não muito tempo depois de eu sair do tal “harrods” deu-se uma razia completa no número de funcionários. A crise tinha começado a bater a sério. Não tenho números concretos, e estarei apenas a especular, mas estimo que entre 30% a 40% das pessoas saíram. No meu departamento foram cerca de metade. Para as alturas em que estavam 7, 8 ou 9 pessoas a trabalhar eram agora necessárias apenas 3 ou 4 e tinham, ainda assim, um trabalho tranquilo.
Não me renovarem o contrato acabou por ser uma poupança do meu tempo. Não perdi mais tempo num emprego sem possibilidades de progressão na carreira e, como se viu, sem futuro.